O enfrentamento de uma doença crônica ou grave, como câncer e doenças inflamatórias intestinais, já carrega consigo grandes dificuldades. Mas além do próprio diagnóstico e as questões ligadas diretamente à saúde física do paciente, outro campo da vida que entra em estado de alerta é a sexualidade. Com a saúde sexual em pauta, as mudanças causadas por tratamentos médicos e a vida do casal devem estar sempre dentro das prioridades.
Além dos impactos físicos provocados pelos efeitos colaterais das terapias, que são muitos e englobam fadiga, dor, náusea, problemas intestinais ou de bexiga, alterações na libido, na função erétil e na própria aparência, a saúde mental também sofre. Muitas vezes, a insegurança relacionada à sexualidade começa antes mesmo dos tratamentos, quando o diagnóstico da doença vira um grande obstáculo na vida sexual do paciente.
Neste ponto, cabe esclarecer que sexualidade é muito mais do que a prática do ato sexual. Ela é uma ferramenta de expressão em relação a si mesmo e ao outro, a qual inclui a forma como as pessoas se veem, sentem e pensam como um ser sexual e como colocam isso no mundo por meio de ações, comportamentos e relacionamentos. A sexualidade é pessoal e acontece de formas diferentes para cada pessoa, mesmo durante o enfrentamento de uma doença.
Saúde sexual em transição
Pensar em sexo quando a vida está em risco pode parecer uma preocupação deslocada das prioridades, mas não é. Ele também é uma expressão de afeto, para com o parceiro ou consigo mesmo, capaz de promover bem-estar físico e mental. A troca de calor, carinho e proximidade física e emocional pode ser traduzida em apoio durante o tratamento para uma doença, se assim o casal desejar. Da mesma forma, é fundamental permitir-se exercer a sexualidade de forma individual, validando desejos e conhecendo a si mesmo, independente do status de relacionamento.
A pauta sexualidade dentro do consultório
Tema que provoca muitas dúvidas em qualquer momento da vida, a sexualidade pode ser ainda mais complexa durante o enfrentamento de uma doença grave, como o câncer. No Google, basta uma rápida pesquisa para saber que algumas das principais dúvidas são:
– Quem tem câncer pode ter relações sexuais?
– Câncer de próstata pega na parceira?
– Homem que faz quimioterapia pode ter relações sexuais?
– Quem tem câncer no colo do útero pode ter relação?
– Quimioterapia causa impotência?
Ao receber um diagnóstico, é importante deixar os resultados da internet de lado e levar os questionamento para dentro do consultório. Contudo, dentro de hospitais e clínicas, muitas vezes o cuidado com a saúde ainda é focado na doença e a sexualidade pode ser esquecida pelos profissionais. Por isso, se o diálogo sobre saúde sexual não partir do profissional, o paciente – e o seu parceiro(a) – devem ter a atitude de iniciá-lo.
Além do próprio oncologista, é fundamental buscar o auxílio de uma equipe multidisciplinar, com apoio de profissionais da ginecologia, urologia, psicologia, fisioterapia e/ou nutrição, entre outros. Para iniciar a conversa, uma dica é lembrar que por trás de profissional e paciente, existem pessoas com personalidades e desejos únicos. Norteados pela empatia e suas experiências humanas e pessoais, os profissionais podem beneficiar a saúde global do paciente, facilitando cada etapa do tratamento.
Mudanças causadas por tratamentos médicos
A sexualidade é fluida e envolve tanto saúde física quanto mental. Ao surgir mudanças provocadas pelos tratamentos médicos, ela não deixa de desistir, apenas transforma-se. Para encarar isso de uma forma positiva, é preciso ter apoio profissional e, se for o caso, de um parceiro(a).
1. Novas possibilidades
O primeiro passo é estar disposto a encarar tanto as dificuldades quanto às novas possibilidades, da autoestima à forma de dar e receber prazer. A sexualidade existe para além da penetração, as preliminares podem ser início, começo e fim. Por isso, experimentar aquilo que nunca se permitiu, buscar novidades e usar a criatividade são atitudes que transformam a saúde sexual durante um tratamento.
2. Busca por diferentes estímulos
O uso dos sentidos – paladar, olfato, tato, visão e audição – deve ser explorado dentro do possível. Por exemplo, no tratamento radioterápico para o câncer de cabeça e pescoço, quando olfato e paladar são fortemente alterados, o estímulo tátil é mais importante e fica ainda mais aguçado. Quando existe ressecamento vaginal, disfunção erétil e preocupação em agradar o parceiro, o uso de lubrificantes e de brinquedos sexuais garante muitas outras possibilidades.
3. Manutenção da autoestima
A autoestima também é fortemente impactada pelas alterações físicas, como perda de cabelo, ganho de peso e inchaço. Então, o processo de transformação também precisa acontecer de dentro para fora, legitimando o merecimento de amor e desejo.
4. Lidando com a diminuição do desejo sexual
Além do tratamento médico, a perda de libido em homens e mulheres pode se apoiar em novas práticas – desde que o sexo nesse momento seja um desejo, não uma obrigação. Da mesma forma, em casos de dor, náusea e fraqueza muscular, a criatividade pode ser um grande estimulante: a sex shop, sexo virtual ou pelo telefone, estímulo audiovisual (filmes, fotografias, podcasts) e claro, uso da própria imaginação. Em pessoas ostomizadas, a conversa franca sobre autoestima e bem-estar durante o relacionamento pode tranquilizar as inseguranças.
Saindo da zona de conforto
Fato é que apenas esta leitura sobre as novas possibilidades dentro da sexualidade causa desconforto em muita gente. O assunto também pode ser difícil entre casais, embora falar sobre problemas de autoestima, desejo e função sexual seja imprescindível para a saúde sexual de pessoas em tratamento e de seus relacionamentos. Em uma live para o Projeto Camaleão, Sandra Scalco, sexóloga e ginecologista, cita quatro práticas que ajudam pacientes e seus parceiros no momento de mudança:
- Comunicação: saber os próprios gostos e do parceiro(a), estabelecer acordos e sugerir propostas.
- Área de consentimento: até onde eu e meu parceiro(a) conseguimos ir.
- Dia D: usar a tática de planejamento do evento como artifício de expectativa e desenvolvimento da experiência sexual.
- Escuta qualificada: ter um olhar amoroso para com o outro, capaz de estimular a autoestima através desse sentimento.
Por fim, tenha em mente que diálogo é a palavra-chave. Falar sobre saúde sexual e buscar alternativas que contornam as dificuldades trazidas pelas terapias possibilita ao paciente vivenciar sua vida além da doença, ter novas experiências e fazer as próprias escolhas. Cuidar da sexualidade, afinal, significa ter mais bem-estar e qualidade de vida durante e após qualquer tratamento.
Fontes: Projeto Camaleão I Oncoguia I Oncoguia I Veja Saúde I Silvio Bromberg I ACS I ACS I ACS
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